quarta-feira, 27 de junho de 2012

COLUNA



Formação musical em Rio Grande: um caminho a percorrer

Olá amigos! Na coluna do mês anterior falamos sobre música, sua relação com a sociedade e sobre o acesso ao ensino de música nas escolas regulares, que é regulamentado por lei desde 2008. No diálogo deste mês, vamos voltar nosso olhar para uma figura fundamental nesse processo de ensino-aprendizagem da arte dos sons: o Professor de Música! Para termos ensino de música nas escolas, como prevê a lei 11.769/08, é necessário que tenhamos antes, profissionais qualificados para exercer esse importante papel de educador-musical.

Em nossa cidade, ainda são poucos os profissionais com formação em música, o que não justifica, obviamente, a ausência de professores de música nas escolas, seja as de responsabilidade do poder público (em todas suas esferas) e também as escolas privadas. Mas a que se deve esse baixo índice de profissionais formados em música em nossa cidade? Muitos são os fatores, e vamos abordar os principais, no intuito de apontar justificativas e possibilidades através de olhares construtivos, que é o nosso objetivo.

O primeiro fator para o baixo índice de profissionais formados em Música é obviamente “cultural”. Por mais que todos vejam a arte em geral e, a música em específico, como algo muito bonito, a maioria das pessoas acha que esse negócio de música não é coisa de gente séria, e o que é pior: “não dá dinheiro”. Sendo assim, ainda vivemos em uma sociedade onde, “para ser alguém”, é necessário se formar em Direito, Medicina, Engenharia, etc... Esta última então, na cidade do Polo Naval, é a menina dos olhos no momento. Eu mesmo, quando ingressei na faculdade, ouvi muitas “orientações” para não fazer o curso de música, de amigos e também de alguns familiares como a minha avó que me disse: “violão não é coisa de gente direita”. Bem, pode parecer engraçado, mas se o seu filho chegar em casa hoje e lhe falar que vai cursar música, você provavelmente vai pensar duas vezes, é fato.

O segundo fator, é que, lamentavelmente, não temos um cenário de difusão cultural constituído em nossa cidade, na música, sobretudo. No campo do ensino da música, tema de nossa coluna, há que se admitir que não há espaços nem propostas efetivamente consistentes de ensino musical, com vistas a formação em nossa cidade. O que há são apenas ações isoladas e autônomas, que caminham a própria sorte, com suas próprias pernas.

Temos apenas alguns professores particulares de música, sendo que a maioria ainda não possui formação na área e uma escola municipal de artes que nos últimos anos teve seu corpo docente, ao menos no campo música, reduzido pela metade. Tive o privilégio de estudar na escola de Belas Artes de Rio Grande, onde iniciei minha caminhada no estudo da música, e lamento que nos últimos 10 anos, diversos professores se aposentaram ou se exoneraram e novos profissionais não tenham sido nomeados para suprirem estas vagas. Em consequência disso, as vagas para os cursos de música, sobretudo, diminuíram consideravelmente em nossa escola de Belas Artes, o que é uma perda para o cenário cultural da cidade.

O terceiro fator, que impede a profissionalização de músicos e educadores musicais em nossa cidade faz referência justamente ao acesso a formação em nível superior por quem pretende se lançar a carreira de músico e/ou educador nesta área. Durante muito tempo, e até hoje, ouvimos a expressão “Rio Grande é a cidade dos músicos”! Sim, tivemos muitos músicos por aqui, muitos teatros, casas de espetáculo, bandas, grupos musicais diversos e até uma orquestra sinfônica, pasmem! Mas não temos mais. E o mundo atual, com pés no presente e olhos no futuro, não vive mais desse passado saudosista e provinciano que às vezes até nos enche de orgulho numa tentativa de desviar o olhar da realidade de nossa terra papareia. Já tivemos muitos músicos sim, e os que efetivamente ousaram “viver de música” hoje estão fora de Rio Grande, os que ainda fazem música, o fazem por hobby (mesmo que com qualidade), mas vivem de outra profissão, naturalmente. E os que querem estudar música, se profissionalizar, como fazem? Desistem dos seus sonhos ou abandonam suas famílias e a própria cidade?

Semana passada, recebi duas tristes notícias, no mesmo dia, aliás. Foi um duro golpe. Um ex-aluno de violão e uma amiga cantora desistiram da faculdade de Música. Onde eles estudam? Na UFPel. Sim, se você quer estudar música precisa ir até Pelotas diariamente para fazer a faculdade, em horários que raramente permitem você trabalhar e até mesmo estudar para o curso. Eu passei pelo mesmo e afirmo que não foi nem um pouco fácil. De cada 5 rio-grandinos que se arriscam nesta aventura, apenas um consegue se formar.

Atuo como educador musical há 11 anos em Rio Grande e ministrei aulas para centenas de alunos ao longo deste período. Alguns deles resolveram estudar música a sério, fazer uma faculdade, se tornar um profissional da música. Todos tiveram que sair de Rio Grande. Neste percurso, alguns ficaram no meio do caminho... E então, onde está a cidade dos músicos? Será que podemos nos orgulhar ao vermos os filhos da terra tendo que buscar fora o que poderia ser oferecido aqui? Nossa cidade realmente incentiva a arte e a cultura? De que maneira, se além da ausência de espaços culturais e projetos consistentes não há formação para os artistas? Até quando bailarinos, atores e músicos rio-grandinos terão seus sonhos ceifados por não terem, em sua cidade, acesso a um curso superior em suas áreas?

A criação de um curso superior de música em Rio Grande é de extrema necessidade. Somente com acesso a formação e a informação, poderemos ter novos profissionais ativos e a formação de um novo cenário cultural em nossa cidade. Mas para isso, é necessário criar espaços e oportunidades para que a arte voe livremente pelos ventos papareias, sem se agarrar no saudosismo de um passado que não volta mais.

A arte não é apenas entretenimento, precisamos dela para transformar a sociedade. Sonho com um mundo onde as crianças não passem fome, nem física, nem espiritual. Imagino-as felizes, tocando flautas, violões, percussões diversas e cantando músicas que falem de alegria e amor. Certamente teremos um mundo melhor quanto isto acontecer.

Antes disso, precisamos de muita coisa para transformar este mundo. Eu acredito que o principal é desenvolver a sensibilidade nos seres humanos. Qual o caminho mais rápido para isso? Começar a investir em nossas crianças, hoje, agora. Como desenvolver esta sensibilidade? Através da educação com arte, da dança, do teatro, da música.

Na qualidade de educador musical e cidadão rio-grandino, faço deste artigo um pedido à Universidade Federal do Rio Grande para que implante o curso de Música em nossa cidade. Ainda, é um apelo à Secretaria Municipal de Educação e Cultura para que aumente o quadro de professores de Música na escola de Belas Artes e, principalmente para que contrate educadores musicais formados para atuar na rede municipal de ensino, oferecendo a nossos jovens e crianças o acesso a uma formação que lhes é devida.

Queremos uma cidade, um país e um mundo melhor e, a educação em consonância com a arte, tem muito a nos oferecer neste sentido. Comecemos já, a formar os educadores musicais do amanhã, pois temos um largo caminho a percorrer.

José Daniel Telles
José Daniel é rio-grandino e atua como violonista e educador musical desde 2001. É Bacharel em Música-Violão pela UFPel e Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural pelo Instituto de Ciências Humanas da mesma Instituição, onde desenvolveu pesquisa inédita sobre o violão pampeano de Lucio Yanel e sua relação com o fazer musical no sul do Brasil. Tem experiência na área de educação musical e em projetos sociais. Participou da operação Carajás do projeto Rondon em 2011, ministrando aulas de música no Tocantins. Atuou como educador musical no Colégio Salesiano Leão XIII. Foi fundador e coordenador do Espaço Musical JD, de 2006 a 2011. É Diretor Artístico do projeto Violões do Sul. Atua como violonista do Latino-América Duo, em parceria com Alexandre Simon. É membro da ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música). Conheça o trabalho de José Daniel em www.jdviolonista.blogspot.com.

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