quarta-feira, 15 de agosto de 2012

COLUNA



COISAS DE CRIANÇAS CRESCIDAS

Acredito que a maioria das pessoas começou sua “carreira” de leitor através das histórias em quadrinhos. Seja Turma da Mônica, Walt Disney Hanna Barbera ou as tradicionais tirinhas que aparecem no jornal, o fascínio que os desenhos acompanhados de balõezinhos com textos exercem em nós quando jovens é incalculável. Mas crescemos, faz parte da vida, e com isso temos que deixar de lado a infância dos desenhos acompanhados de texto? Óbvio que não.

Uma das coisas que mais me incomoda do meio acadêmico é o desdém que as histórias em quadrinhos despertam quando se trata de literatura. Essa situação parece estar mudando, lentamente, nos últimos anos, mas o preconceito ainda está lá, à espreita. É difícil entender quando temos exemplos de tiras inteligentes, de humor afiado e crítico, como Calvin e Haroldo, de Bill Watterson, Peanuts, de Charles Schulz ou a personagem Mafalda, do argentino Quino. Todos ótimos exemplos de grande aproveitamento do traço quanto da ideia.

Porém, se a alegação para tal preconceito é a falta de uma história mais densa, ou de mais fôlego, tal alegação perde totalmente sua força quando nos deparamos com as graphic novels. Graphic novels são basicamente romances (novel, em inglês) que se utilizam de desenhos para contar uma história. São as histórias em quadrinhos em um formato mais literário, digamos. Mas isso não quer dizer que a própria crítica acadêmica dê atenção para este filão. Grandes mestres do gênero como Alan Moore e Neil Gaiman só são descobertas à boca pequena, em interações com demais fãs. Falando em Alan Moore, sua graphic novel (com desenhos de Dave Gibbons) Watchmen foi considerada um dos romances mais importantes do século XX, pela Revista Time. Isso mesmo, ao lado de clássicos da literatura lá estava a subestimada “história em quadrinhos”.

No Brasil não temos grandes exemplos ou uma vasta produção de “romances gráficos”, mas alguns autores merecem atenção como Lourenço Mutarelli com vários títulos (tais como Transubstanciação e A Caixa de Areia), que, inclusive, vêem sendo reeditados. Recentemente, também, Daniel Galera, em parceria com Rafael Coutinho, lançou o seu Cachalote bebendo na fonte da tradição de graphic novels. Há ainda os inúmeros e geniais quadrinhistas brasileiros como Laerte, Adão, Angeli e Glauco (R.I.P.). Ou seja, pode não ser vasta, mas há material de sobra para se trabalhar por este viés.

Enfim, acredito que o preconceito contra as histórias em quadrinhos deriva daquilo que falei no início, da abordagem quase infantil que desperta muito atenção nos jovens. Porém, daí se espalhou, talvez com aquele medo besta do desconhecido ou da própria falta de vontade de conhecer. O que importa é que, para mim, quadrinhos é, sim, literatura. E das boas. E pra você?

Dicas de leitura:
  • Deu Tilt no Progresso Científico, Bill Watterson
  • Peanuts, Charles Schulz
  • Toda Mafalda, Quino
  • Watchmen, Alan Moore e Dave Gibbons
  • Cachalote, Daniel Galera e Rafael Coutinho
  • A Caixa de Areia (ou Eu era dois no meu quintal), Lourenço Mutarelli
  • Piratas do Tietê, Laerte






Paulo Olmedo
Formado em Letras-Português, pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente é mestrando do Programa de Pós-graduação em Letras – Mestrado em História da Literatura, pela mesma instituição. Escreve contos e tem experiência na área do audiovisual e teatro. É dono do blog Vida Irreal (http://www.pauloolmedo.wordpress.com/).

7 comentários:

  1. Eu adoro! O meio acadêmico tem essa mania de se achar inovador, inteligente, libertador... Mas pra mim é um dos meios mais conservadores e fechados, uma disputa de lattes chata e sem sentido.

    Helena

    ResponderExcluir
  2. Roubei a conta do google do fita porque não tenho nada do que precisa pra comentar aqui! aehiahe

    Helena :)

    ResponderExcluir
  3. Legal saber que tem alguém na Furg que se dedica à leitura e ao estudo dos quadrinhos, ainda mais um mestrando.

    Tua coluna tá ótima, sempre tocando em assuntos que margeiam o universo acadêmico e literário.

    Da tua lista li WATCHMEN e CACHALOTE.

    Abraços, Olmedo!

    Abraços

    ResponderExcluir
  4. Helena, infelizmente é assim. Claro, há exceções, mas por aqui as coisas não são tão libertárias quanto aparentam.

    Rody, infelizmente só leitor, estudioso ainda vai longe (muito pelo que falei acima).

    Obrigado pela leitura, pessoal!

    ResponderExcluir
  5. Quem acha que quadrinho não é literatura devia levar uma surra de Art Spielgeman que mudava de opinião em cinco segundos.

    ResponderExcluir
  6. Cara, muito bacana a tua reflexão sobre esse tema que gera tanto debate. É evidente a posição das HQs enquanto sua profundidade literária. O MAUS foi a primeira publicação do gênero a receber um Pulitzer, existem várias adaptações de grandes obras da literatura para as HQs, através de grandes nomes como Fábio Moon e Gabriel Bá e Edgar Vasques, sem contar as tantas obras geniais que surgem por aí todo ano.

    Mas ano passado, em meio as pesquisas de tcc, me deparei com alguns questionamentos difíceis de responder: Nós, fãs de HQs, não passamos tempo demais defendendo esse status literário para as HQs? Não seria o momento de olhar para trás e exaltar a HQ como sendo um objeto repleto de características distintas, único em sua essência, possuidor de uma linguagem própria?

    Durante muito tempo eu bati no peito e defendi os quadrinhos como literatura, mas hoje em dia prefiro separar uma coisa da outra. É inegável a relação entre as duas linguagens, mas nas HQs, texto sem imagens não significam nada. A resistência em alguns momentos sempre vai existir, mas quer saber, tô achando ótimo assim. Crescem as publicações em qualidade e quantidade, o mercado autoral vem se expandindo e os fomentos são cada vez mais generosos. As HQs estão conquistando seu espaço por direito.

    E se é coisa de criança, morrerei um infante feliz, com minhas estantes sobrecarregadas de tantos quadrinhos. :)


    Além da Cachalote, que é ótima, recomendo também as Graphic Novel "Retalhos" e "Umbigo sem fundo", além do "MAUS" que citei linhas acima.

    ResponderExcluir
  7. Muito bom o texto. Meu irmão, o Fábio, está tentando fazer um trabalho acadêmico com quadrinhos, vamos ver. No Balbúrdia Heróis, o Fábio veio comentar sobre os heróis dos quadrinhos, e nos surpreendemos com quanta gente curtia por aqui. Parabéns pela coluna.

    ResponderExcluir